44 Comentários
Avatar de User
Avatar de Aline Valek

Que abraço essa newsletter, me identifiquei demais. Também fui bolsista do ProUni e o choque de realidade ao entrar na faculdade foi real. O contraste só aumentou quando mudei para São Paulo e comecei a circular entre pessoas da classe média alta paulistana. Mesmo já sendo outra, mesmo já tendo "superado a pobreza" (porque ganhar algum dinheiro não é o suficiente para superar isso), nunca me senti tão pobre, mal vestida e atrasada. Migrar pra Alemanha foi fichinha depois dessa experiência.

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Compartilho do mesmo sentimento de que mudar de país foi tranquilo comparado com migrar de classe social e conviver com gente com mais dinheiro. Até hoje penso nas micro agressões que sofri, na incompreensão e na eterna sensação de que eu jamais pertenceria a esse lugar, por mais que tentasse.

Expand full comment
Avatar de Anacê Martins

é curioso mesmo como o inglês é muito usado como marcador social. meu inglês nunca foi bom e eu morria de vergonha de falar perto dos meus colegas de trabalho. era muito comum rirem de uma fala ou um texto escrito em inglês de alguma pessoa do escritório. então eu morria de medo de ser descoberta. fui aprender inglês de verdade, de verdade mesmo, com mais de 30 anos, porque tive que me desenlaçar desse tanto de trava que eu tinha em relação a mim e quem eu era falando inglês.

eu também sou uma adoradora desse tipo de narrativa de ascensão social, e também AMO o lugar, mudar: método, o que é meu, a tetralogia napolitana e todos esses livros que mostram pessoas escapando dos próprios destinos através da educação. dar nome às coisas e mostrar pras pessoas que aquilo não aconteceu só com elas é tão bonito e ajuda a amenizar a dor das lembranças que tudo isso causa na gente. ajuda a fazer as pazes com a gente e com a nossa origem.

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Oi, Ana! Obrigada pela leitura. Lembro que, na faculdade e no trabalho, não falar inglês era quase um atestado de incompetência ou preguiça, ainda que apenas 5% da população brasileira fale o idioma. Ainda bem que você conseguiu se desvencilhar dessas amarras e hoje fala não dois, mas três idiomas ou mais! Uma baita conquista. O processo de fazer as pazes com a origem parece contínuo, ainda bem que existe a literatura para aliviar as nossas dores.

Expand full comment
Avatar de Anacê Martins

sim, foi um longo caminho, mas deu tudo certo! fazer as pazes com a nossa origem e com os traumas geracionais é um trabalho difícil e contínuo, mas é a melhor coisa que a gente pode fazer por nós mesmas.

Expand full comment
Avatar de Vanessa Guedes

passei por tudo isso e guardo o amargo na boca todos os dias. por isso me dá um conforto ler esse texto e ver que não estou sozinha.- por isso amo tanto a literatura, dar nome às coisas é um modo muito sincero de elabora-las. obrigada por compartilhar a experiência ❤️ cheguei aqui pq a Aline Valek compartilhou esse post e estou feliz de encontrar uma newsletter com tanta profundidade e sentimento, fico tão feliz nesses momentos (mesmo que me sinta conectada com o texto por causa do desconforto que dividimos). o mais importante disso tudo é: sobrevivemos, atravessamos e estamos finalmente falando sobre isso.

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Oi, Vanessa. Obrigada pela leitura! Eu também me sentia muito sozinha e até ingrata por estar desconfortável em certos lugares e situações. Afinal, eu tive a grande oportunidade de melhorar a minha vida por meio do estudo e do trabalho. Mas não é só alegria, né? Há também muita contradição e um gosto amargo nessa transição de vida, como você disse. Que mais e mais pessoas possam elaborar esse assunto de classe que é essencial para entender o Brasil.

Expand full comment
Avatar de Ferdinando Casagrande

Como você, Nara, também sou a primeira geração da minha família a chegar à universidade. Não fui bolsista do ProUni porque não existia ProUni, mas tive de trabalhar para pagar minha faculdade. Li seu texto como se estivesse na frente de um espelho, me reconhecendo em todas as situações que você descreveu. Talvez a deserção de classe seja um sentimento comum a todas e todos que foram além do que suas famílias podiam esperar delas/deles?

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Oi Ferdinando! Fico feliz que o texto tenha feito sentido pra você. Respondendo à sua pergunta, sim, acredito que é um sentimento comum para qualquer pessoa que foi além do que era esperado dela. O simples fato de estudarmos mais que os nossos pais já nos distancia, de certa forma, da nossa família. Não incluí isso no texto, mas tem um trecho do livro em que o Édouard se pergunta se, ao estudar e ascender pra burguesia, ele não estava se tornando o opressor que os pais tanto odiavam.

Expand full comment
Avatar de Denise dos Santos

Estava pensando sobre isso estes dias... De como sinto falta de umas coisas bem banais que vivia na periferia onde cresci... Tipo a solidariedade/amizade entre vizinhos, coisa que inexiste entre a classe média... Sinto saudades até das coisinhas baratas que eu comprava em catalógos de roupas e cosméticos... tinha uma alegria genuina ali, que hoje não experiencio mais...

Expand full comment
Avatar de Laiza

Parece que voce escreveu sobre mim. O sentimento que eu posso a qualquer momento perder tudo é tao constante que eu odeio domingos justamente porque me lembra tudo que eu tenho que manter para continuar com essa vida. Sinto culpa todos os dias.

Expand full comment
Avatar de Nathan E. Fernandes

Me identifiquei bastante, Nara. Também vim de periferia e atravessava a cidade pra estudar numa ETE (como chamavam na época) e fiz faculdade particular. MUITO RECENTEMENTE descobri que o desconforto que eu sentia era por causa da classe, fiquei feliz de saber que tem um nome. Belo texto!

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Oi Nathan! Eu também sou da época em que Etec era apenas ETE haha. Assim como você, comecei a elaborar esse desconforto recentemente, depois de ter contato com autores como a Elena Ferrante, a Ernaux e o brasileiro José Henrique Bortoluci. Aliás, recomendo muito a leitura do 'O que é meu' do Bortoluci, porque traz uma perspectiva brasileira para a questão da ascensão social.

Expand full comment
Avatar de Camila Diforena

Ex-Eteana aqui também. Como esse texto pegou fundo. Nossa.

Apesar de ter crescido ouvindo Chico Buarque (pais professores, obrigada!), os outros códigos sociais não me foram transmitidos da mesma maneira.

Até reli alguns trechos porque realmente ressonou

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Oi, Camila! Obrigada pela leitura. É surpreendente perceber que, mesmo numa escola pública como a Ete, há muitas diferenças sociais e culturais. E pensar que entramos no ensino médio com uns 14, 15 anos e poucos recursos emocionais pra elaborar esse choque de realidade.

Expand full comment
Avatar de Camila Diforena

Acabei ficando quase 18 anos fora do Brasil e retornei há pouco tempo. Mas ainda me voltam as lembranças da ETE. Com bastante saudades, mas quando penso que era tão novinha e a exposição a essas diferentes realidades foi tão “na cara” não sei como lidei com tudo aquilo

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Tenho o mesmo sentimento em relação à faculdade. Acho que foi a minha ingenuidade juvenil da época que me fez continuar no curso e relevar muita coisa. Penso que se fosse hoje, com a visão que tenho, não aguentaria por muito tempo.

Expand full comment
Avatar de Carol Macedo

Amando descobrir esse universo de pessoas que compartilham essa mesma sensação de não pertencer a lugar nenhum <3

Expand full comment
Avatar de Mãe de Zé

Eu não mudei tanto assim de classe social, em termos estritamente econômicos, mas acumulei capital simbólico. Bourdieu já deu nome a isso - essa migração de classe - antes do Edouard: trânsfuga de classe. Acho melhor que "desertor" pq o desertor é uma escolha mais consciente e também traz uma carga moral. Mas gosto mto do que o Edouard escreve tbm.

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Oi, Aline! Uma amiga que leu o livro em francês me disse que o Édouard usa a palavra "transfuge" para falar da migração social. Ele deve ter pego o termo emprestado do Bourdieu mesmo, já que organizou uma coletânea de textos sobre o legado do sociólogo em 2016. Então o termo "desertor" deve ter sido uma escolha da tradutora brasileira. De qualquer forma, gosto muito de "desertor de classe" porque acho que encapsula bem a ambiguidade de uma pessoa que migra de classe social em relação à própria origem. Pelo menos na história do Édouard (e na minha) existe muita culpa e uma carga moral ao deixar a classe social de origem, ainda que tudo tenha sido feito de forma ativa e consciente.

Expand full comment
Avatar de Mãe de Zé

É uma pena, então, a escolha da tradutora porque é um termo consolidado em português nas traduções do Bourdieu. Provavelmente, a tradutora não faz ideia...

Expand full comment
Avatar de Mãe de Zé

Quanto ao termo desertor, eu me expressei mal .. o problema não é trazer uma carga moral, mas moralista. Não à toa, desertor é uma expressão militar. Realmente, acho que não tem a ver com o que Bourdieu disse (até pq ele teria usado a palavra desertor se assim o quisesse). Eu comentei sobre ele justamente pq sabia da relação do Edouard com o mais velho, achei estranho que alguém q estudasse Bourdieu trouxesse o mesmíssimo conceito com outro nome... Até desonesto, na verdade. Que "bom" que foi problema da tradutora.

Expand full comment
Avatar de Duda
Mar 1Editado

Ainda não li Edouard Louis, mas esse seu texto me fez pensar muito na Lenu personagem da tetralogia da Elena Ferrante, que além desta figura do desertor de classe aborda a culpa feminina da mulher que não quer ser como sua mãe. Apesar de todos os conflitos internos que essa dualidade de mundos possui, penso nos desertores de classe como uma agulha que fura as bolhas dos ricos e mostram que pessoas são pessoas, inteligentes, pensantes e dignas, independente de onde tenham saído.

Expand full comment
Avatar de Michele Contel

Senti que essas palavras me abraçaram, bem como as do Édouard. É difícil demais viver na pobreza. Também não é fácil quando saímos dela.

Expand full comment
Avatar de dmqs

Outra coisa: lembrei de um colega filho da “elite intelectual brasileira - TM” que escreveu meia dúzia de palavras para falar que o Louis tinha um livro bom, mas foi perdendo autenticidade e originalidade, com a qualidade literária caindo. O mesmo sujeito tinha dito, há alguns anos, que a Ferrante não era tão boa como as críticas sugeriam que era. Como já diziam as feministas das standpoint theories do século passado, se a gente não entende o ponto de partida, não dá para interpretar o ponto de chegada, né? Pois é.

Expand full comment
Avatar de dmqs
May 11Editado

Acho que existe uma experiência específica do ABC (ainda mais com o caminho da escola técnica - viva a escola pública de qualidade!)… Porque vir do ABC traz marcas que não se compartilham com a trajetória da periferia paulistana. O ABC é meio que um não-lugar totalizante: não é São Paulo, não é exatamente interior, o sotaque é quase zona leste mas não é zona leste, o ethos é suburbano provinciano, fica fisicamente ao lado de tudo que é modelo de “interessância”, mas completamente distante na prática. Quando você cresce na periferia da periferia acha que o deslocamento para o centro é logo ali, mas ele tá muito mais distante. As altas rodas nem sabem que o ABC existe. A saída via escola técnica para um espaço de formação e socialização de elite é brutal, porque te desloca da classe e também do território (que, mesmo quando se acha chique nos úrtimo, ainda assim é periférico - não adianta ser egressa do Singular e ter crescido no Campestre, você sempre vai ser lida como caipira).

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Gostei da sua definição do ABC como um não lugar totalizante. Lembro perfeitamente das pessoas que tratavam SBC como interior de São Paulo, apesar de estar logo ali, colado à capital.

Expand full comment
Avatar de _thaicdutra

Eu sempre fico fascinada com o poder das palavras em traduzir sentimentos. Estudei a vida toda em escola pública e também fiz escola técnica, fui bolsista no Mackenzie, uma faculdade de elite. Foi extremamente desafiador. Hoje, com pequenas melhoras do padrão de vida, saí de um bairro mais periférico e vim pra um bairro mais central. Viajo todo ano, mas só dentro do Brasil, e tenho a possibilidade de realizar alguns outros desejos, mesmo assim, não me sinto pertencente e por vezes me sinto uma impostora justamente por esses comportamentos que sempre vão me denunciar. Esse texto foi um abraço, obrigada!

Expand full comment
Avatar de Nara Gonçalves

Oi Thai, desejo que você consiga se reconhecer neste lugar que conquistou. Ele é seu <3

Expand full comment
Avatar de Cecília Vilas-Boas

Que texto bonito e precioso!

Expand full comment
Avatar de Gui Tailer Andes

Li esse texto alguns meses depois de você ter postado, mas putz a identificação foi imediata. Tbm fiz ETEC e depois fui para a faculdade, em outro estado inclusive, dai esse sentimento de mudar de classe por querer algo melhor, mas se sentir um traíra é muito presente e dói. Agradeço por me apresentar o termo, também fiquei interessado na obra do Édouard,

Muito obrigado!

Expand full comment